Você surgiu assim, despretencioso, tímido e alcoolizado entre a luz das velas...E eu mal podia imaginar que em tão pouco tempo me sentiria embriagada por tudo o que você faz.
No início não tinha importância, era livre, era desapego. O início foi o melhor. Descobrindo você, seus cabelos, seus pedaços, seus pigmentos. E você queria me descobrir de volta.
De volta ao meu mundo, te deixei no seu e segui meus caminhos como sempre segui. Ficaram apenas as ótimas lembranças daquilo que era impossível de se repetir. Assim, sem dor, sem mágoa.
E eu mal podia imaginar que voltaria...Voltaria, e te encontraria ali outra vez, no susto, sorrindo.
Eu mal podia imaginar que você me tocaria outra vez e que, entre fumaças, copos e melodias, seríamos um do outro por algum tempo novamente. Ainda livres e desapegados, mas sem ânsia pelo desconhecido. Era novo, mas não imaculado. Podíamos sentir nossos gostos ainda presentes em tudo o que emanava dos nossos corpos naquele momento. Mas dessa vez, o dia teve que amanhecer e a Lua te pegou pelo braço, te chamou pra ir e você foi. Mas voltava, disse que voltava. Não voltou.
Você é assim, aparece quando a gente não espera e some quando sua ausência é sentida. Aquele dia não seria diferente. Apareceu de repente, me pegando no susto mais uma vez. Prometeu voltar e eu desacreditei. Mas não é que você voltou? Trouxe um novo par de olhos, que me olhavam de forma sóbria. Naquele dia você não era um amante embriagado, era simplismente você. E me fez rir e disse palavras doces. Naquele dia você sabia quem era, quem eu era, e o que queria. Seus olhos me prometeram voltar e eu acreditei. Os olhos não mentem.
Eu sabia que aquele dia fugiria de todas as regras, aquele dia era uma exceção onde tudo podia acontecer. O portão anunciou sua chegada como nunca...Eu sabia que você iria embora de manhã, quando acordasse. Mas não importava, nós tínhamos todo o tempo do mundo até que isso acontecesse. E foi assim que novamente, entre copos e estrelas, nos doamos outra vez a aquela atração incontestável. E foi assim que a noite se fez infinita. E foi assim que te fiz dormir com carinho. Eu mal podia imaginar que seria uma despedida.
Quando dei por mim, estava te procurando nos meus lençóis e eles foram realmente tudo o que encontrei. Sem promessas, sem esperanças. Um talvez inexistente.
Você voltou, mas dessa vez sem dívidas a pagar. Veio e foi como o vento. E eu parada ali, como uma estranha. Tão estranha quanto a sua aparição duas madrugadas depois. Tão bêbado quanto jamais havia visto. Acendeu a luz, me olhou, sorriu e caiu. Só levantou, como sempre, quando o dia amanheceu. Naquele dia, talvez você tivesse ficado...Mas agora eu era estranha, e agora eu sabia me esquivar. Você não ficou e posso dizer que como estranha, me saí muito bem numa das melhores noites da minha vida, e você não estava lá.
O amor próprio ressurgiu quando me fiz linda por mim e fui buscar a liberdade e o desapego que o possível sentimento que surgia havia me roubado.
O dia seguinte foi a prova de que eu havia conseguido.
A rua me chamou como se não quisesse nada, mas logo eu soube que queria. Por alguns segundos a mais, meu corpo caíria sobre o teu, mas o atraso fez com que meu toque encontrasse o metal do portão ao exato tempo que meus olhos, os seus. Me tocou e me olhou novamente com aqueles olhos sóbrios, profundos. Mas ao contrário do que eu pude imaginar, por culpa de uma terceira pessoa ou não, você mudou. De repente os olhos fugiram dos meus e mesmo ao meu lado, não sentia nada que nos conectasse. Você havia ido pra sempre e então, decidi mais uma vez tomar meu rumo, deixando claro que os meus braços e abraços te esperavam, tola. Iminente, eu não estava indo de fato. Você sabia disso, e você voltou. Mas o mundo gira e em questão de horas, vesti a liberdade que havia buscado e junto com ela, uma armadura impenetrável.
Você voltou e dessa vez, o estranho era você.
Era eu quem partia.